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escolhidos por MARIA PINTO
(Maria Regina Pinto Pereira)

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quinta-feira, 27 de março de 2025

exposição Tramontana- Marlon de Paula e Maria Vaz - Fazendinha Dona Izabel, na Barragem Santa Lúcia - BH - MG

 

Foto: Maria Vaz e Marlon de Paula

Com abertura dia 4/4, exposição “Tramontana”, dos artistas visuais Maria Vaz e Marlon de Paula, ativa memórias e imaginários de Belo Horizonte

Evento de abertura acontece às 19h, na Fazendinha Dona Izabel, na Barragem Santa Lúcia, onde a exposição fica em cartaz até dia 31 de maio; com visitação gratuita, oficinas e roda de conversas, projeto mescla artes visuais, literatura, fotografia e inteligência artificial para criar e contar a história e de lugares e pessoas da capital


“Ninguém nunca vai esgotar o passado. Aceitar a invenção da memória é compreender que a oralidade, enquanto expressão, pode agir da mesma forma que a Inteligência Artificial (IA) nos arquivos, modificando aquela materialidade que, a princípio, parece estagnada”.


A partir dessa analogia assertiva do artista visual Marlon de Paula sobre a produção, o apagamento e as transmutações das memórias de Belo Horizonte, a exposição “Tramontana”, concebida por ele em parceria com a também artista visual Maria Vaz, abre as portas na capital mineira no dia 4 de abril (sexta-feira), na Fazendinha Dona Izabel, na Barragem Santa Lúcia, com evento gratuito e aberto ao público, que começa às 19h. A abertura contará com apresentação do Grupo Rosas de São Bernardo e venda de pasteis, caldo de cana e outras bebidas.


A exposição, que fica em cartaz até o dia 31 de maio (sábado, mistura artes visuais, fotografia, literatura, Inteligência Artificial (IA) e uma boa dose de realismo mágico para jogar luz em histórias, miragens e mitologias da cidade de Belo Horizonte, desde antes de sua fundação, como o Arraial Curral del-Rei do século XIX, até a metrópole habitada por pouco mais de dois milhões de pessoas atualmente. Junto ao projeto serão realizadas uma série de oficinas e rodas de conversa com Nívea Sabino, Gabriela Sá, Priscila Musa e Avelin Buniacá Kambiwá.


A escolha da Fazendinha Dona Izabel, uma das construções mais antigas da cidade, datada de 1894, erguida três anos antes da inauguração da capital (1897), e hoje transformada em centro cultural na Barragem Santa Lúcia, está alinhada ao objetivo principal da exposição “Tramontana”: trazer à tona aquilo que o progresso tentou engolir rápido demais. O imóvel, tombado pelo patrimônio municipal desde 1992, foi a residência de Dona Izabel, mulher negra e famosa matriarca mineira que conservou a edificação ao longo de 50 anos.


“O casarão foi restaurado em 2022 e, segundo a sua filha, esse era um sonho da Dona Izabel. Existe uma exposição permanente na casa que conta a sua história, com um memorial à Dona Izabel. O reconhecimento da história e a existência do espaço cultural é, inclusive, uma conquista coletiva da própria comunidade. É uma história muito viva ali. A nossa contribuição com essa ocupação é justamente a de movimentar e trazer uma programação para o espaço recém-restaurado, que ainda é pouco conhecido”, avalia a artista Maria Vaz.


Tramontana


O nome “Tramontana” é inspirado no conto homônimo de Gabriel García Márquez (1927-2014), publicado no livro “Doze Contos Peregrinos” (1992), e significa um “vento que sopra do norte” ou, nas palavras de Gabo, um “vento de terra inclemente e tenaz”, que modifica, desnorteia, abre e fecha caminhos. A artista Maria Vaz explica que a escolha por essa ideia tem relação com o desejo de deixar-se levar, assim como o vento da tramontana, mas, neste caso, em direção às descobertas de parte de uma Belo Horizonte escondida ou pouco comentada.


“(Há lugares e pessoas) que muitas vezes não estão na história e nos arquivos institucionais da cidade. Resistem na oralidade, na memória coletiva, talvez em arquivos privados. Mais do que isso, e talvez o mais importante, resistem no comum — no coletivo — que é algo que as grandes cidades tendem a seccionar. O que fazemos é tentar ativar isso, esse encantamento que existe no comum, que só é possível com o comum, justamente porque é nele que essas histórias nascem e sobrevivem, se ramificam e se transformam”, avalia a artista Maria Vaz.

 

Na perspectiva da historiadora Heloísa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que inspirou o processo de pesquisa, a história da capital mineira está atrelada a um acelerado desejo de modernização no início do século XX, que acumulou ruínas junto ao ímpeto desmedido do progresso. Neste contexto, memórias foram soterradas, resistindo, muitas vezes, na transitoriedade da oralidade.

 

“O que não é propriamente exibido ou catalogado é que a construção do novo pressupõe, antes de tudo, uma destruição: de modos de vida e de imaginários, do meio ambiente, de seres e sujeitos que não se enquadram no projeto de desenvolvimento e modernidade, no ideário de futuro”, diz a artista Maria Vaz. E, nas palavras de Starling, “nenhuma outra capital parece ter instalado, desde sua origem, um processo tão rotineiro de transformação, degeneração e mudança do espaço que, no limite, impede à cidade acumular memória”.

 

É justamente nesse certo impedimento ao acúmulo de memória, causado por hecatombes velozes de mudança em direção ao novo, que Maria Vaz e Marlon de Paula se debruçam para elaborar criações artísticas multilinguagens e ressaltar uma Belo Horizonte pouco reverberada para a sociedade. O trabalho incluiu a busca por arquivos fotográficos privados, entrevistas e pesquisas em órgãos oficiais, como o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) e o Museu da Imagem e do Som (MIS BH). O texto crítico da exposição é assinado pela curadora e pesquisadora Carolina Ruoso, que trabalha com a proposta de museus orgânicos e comunitários.

 

Videoartes e instalações


Com um projeto imersivo, a exposição “Tramontana” possui paredes que remetem às esquinas famosas esquinas da capital mineira, popularmente conhecidas como pontos de encontros e referência afetiva para os moradores. E chama a atenção pelas instalações e videoartes, alimentadas por muitos estímulos sensoriais. “Sentimos a necessidade de que algumas obras ganhassem um espaço tridimensional, em que os estímulos sonoros e visuais ajudassem a contar essas histórias”, diz Marlon de Paula.

 

“Teremos uma videoarte sobre o Ricardo Malta, o homem que duelou contra o Capeta do Vilarinho e venceu. E uma videoarte com imagens raríssimas da implosão de um conjunto de edifícios que abrigava a Galeria do Comércio, o Mercado Mauá e o Hotel Panorama, (na região da Lagoinha, porta de entrada de mercadorias e imigrantes que vieram trabalhar na construção da capital), um documento importante para contar as transformações socioespaciais desse bairro, que foi e é fundamental na história da cidade”, completa Marlon.

 

Com ajuda do programa MidJourney, de Inteligência Artificial (IA), que cria imagens a partir de descrições textuais e prompts de comando, os artistas produziram “novas Belo Horizontes”, incluindo nesses retratos parte das cosmovisões, dos sonhos e da oralidade de gente comum, que sustenta na memória longínqua uma cidade não registrada em livros ou documentos.

 

Nesse sentido, a exposição remonta histórias de grupos como o Rosas de São Bernardo, formado por mulheres com mais de 60 anos da região Norte de Belo Horizonte, e que preservam cantigas do tempo em que eram crianças. E das raizeiras e lavadeiras do Barreiro, que estão intrinsecamente relacionadas à proteção da Serra do Rola Moça.

 

Para além das criações digitais, as histórias ouvidas pelos artistas Maria Vaz e Marlon de Paula renderam uma série fotográfica noturna, denominada “Luz del Fuego”. A ideia busca representar, a partir de imagens escuras, capturadas com poucos pontos de luz, relatos de uma Belo Horizonte que também se criou no mistério da noite, com suas lendas, a exemplo da Loira do Bonfim, do Aventesma da Lagoinha e do Capeta da Vilarinho, e seus imaginários e personagens marcantes, como a atriz, dançaria, escritora e naturista Dora Vivacqua (1917-1967), mais conhecida como “Luz del Fuego”, que também inspira a série fotográfica.

 

Dora é considerada um símbolo da emancipação das mulheres, sendo a precursora do naturismo no Brasil, responsável por romper com os padrões da sociedade vigente nos anos 1940 e 1950, o que também lhe rendeu ataques e fantasias entorno de suas atitudes e discursos. “Durante as nossas andanças e conversas, ouvimos muito sobre a noite e como certas histórias, personagens e sensações só são possíveis durante a noite. Por isso, uma das séries que criamos é toda feita durante a noite. Mas não é qualquer noite, é a noite escura, pouco iluminada. A noite de uma cidade como Belo Horizonte não acolhe mais essas certas histórias e personagens e sensações, porque ela dá a ver demais”, explica Maria Vaz.

 

Ao olhar para Belo Horizonte como se a capital coubesse em muitas cidades, encantos e desencantos possíveis – e não apenas como uma construção linear de progresso homogêneo – num entrelaçamento entre passado, presente e futuro, a exposição “Tramontana” revela como a memória de um lugar é viva e continuamente transformada. “As histórias de um território, inclusive as que estão arquivadas, são vivas e estão em constante movimento. Elas seguirão se movimentando, ganhando novos pontos, como se conta em todo bom conto”, justifica Maria Vaz.

 

Oficinas e rodas de conversa


Entre os meses de abril e maio serão realizadas oficinas e rodas de conversa com convidadas que dialogam com a exposição “Tramontana”. Todas as atividades acontecem na Fazendinha Dona Izabel. No dia 10 de abril (quinta-feira), às 19h, a arquiteta Priscila Musa conduz um bate-papo a partir da temática “Arquivos Fotográficos e Memórias Insurgentes de Belo Horizonte", abordando histórias que não constam nos arquivos oficiais da cidade. Já nos dias 24 (quinta-feira) e 25 de abril (sexta-feira), das 14h às 17h, a poeta Nívea Sabino irá ministrar a oficina “Poesia Falada e Outras Histórias”, influenciada pelos ditos populares de BH.

 

Em outra perspectiva sobre as territorialidades, no dia 9 de maio (sábado), das 14h às 16h, Avelin Buniacá lidera a conversa aberta “Saberes e histórias dos povos originários e presença índigina no território de Minas Gerais". Nos dias 09 de maio (sexta-feira), das 19h às 21h, e 10 de maio (sábado), das 14h às 18h, a artista e pesquisadora Gabriela Sá irá ministrar a oficina “Poéticas do arquivo”, apresentando aos participantes o pensamento teórico que sustenta a existência de uma dimensão poética do arquivo. Por fim, Maria Vaz e Marlon de Paula também ministram uma oficina de “Processos Criativos e Inteligência Artificial”, no dia 17 de maio (sábado), das 14h às 18h, contando um pouco das inspirações de criação da exposição “Tramontana”.

 

Maria Vaz e Marlon de Paula


Artista visual e pesquisadora, Maria Vaz é doutoranda e mestra em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG. Em seus trabalhos, trata das relações entre memória, esquecimento, território e imaginário, por meio de fabulações críticas e poéticas, interseções entre imagem e palavra e o uso de arquivos públicos e privados. Com participações em exposições no Brasil e no exterior, foi indicada ao Prêmio PIPA 2023, contemplada pelo 5º prêmio Décio Noviello de Fotografia, pelo XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, pelos 8º e 9º Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger e pelo 10º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. Possui três fotolivros publicados, sendo dois em parceria com Bárbara Lissa, com quem também participou de diversas exposições e forma o duo Paisagens Móveis, que tem como ênfase trabalhos que envolvem o meio ambiente e a ecocrítica.

 

Artista multimídia natural da região rural do Vale do Rio Doce, Marlon de Paula desenvolve uma pesquisa sobre ecologia e relações interespécies. Seu trabalho dialoga com os saberes tradicionais do campo e propõe cartografias geológicas que anunciam narrativas sobre a terra. Atualmente, é mestrando em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG. Participou de exposições nacionais e internacionais, incluindo as mostras "Proximity and Distance", no Goethe Institut, em Nova Delhi (Índia, 2022), "Artista de Artista", na Galeria Luisa Strina (2023), "Sonoridades de Bispo do Rosário", no Museu Oscar Niemeyer (2024), e "Abre Alas", na Galeria A Gentil Carioca (2024).

 

Foi contemplado pelo XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez (2021), pelo 4º Prêmio Décio Noviello de Fotografia (2023) e pelo 9º Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger (2023). Integrou o programa de Residência do Museu Bispo do Rosário (2019), no Rio de Janeiro, e a residência no Labanque  Centre de Production et de Diffusion en Art Contemporain (2022), na França. No mesmo ano, lançou seu primeiro fotolivro, “Dilúvios”, resultado de um projeto na colônia psiquiátrica Juliano Moreira, em parceria com a editora Ars et Vita.


Este projeto é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.


SERVIÇO | Exposição “Tramontana”, de Maria Vaz e Marlon de Paula”

Abertura. 4 de abril (sexta-feira), às 19h - Gratuito e aberto ao público

Visitação. 4 de abril (sexta-feira) até 31de maio (sábado). Quartas e quintas-feiras, das 10h às 16h;e às sextas e sábados, das 13h às 18h. Entrada franca.

Onde. Fazendinha Dona Izabel (Avenida Arthur Bernardes, 3.120, Barragem Santa Lúcia, Belo Horizonte)

Mais. Acompanhe o projeto no Instagram 

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