“A pintura é uma festa, mas não se perca na purpurina.”
Sobre as pinturas recentes de Renata Egreja,
Texto de Paula Braga.
“A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Como que conduzida pela sabedoria de Guimarães Rosa, Renata Egreja vai acumulando em suas telas de grande formato os humores da vida, registrando dia a dia a fúria, depois a gentileza, o movimento amplo, depois a vontade de apagar tudo. Quando sossega, pinta com gratidão pela vida; quando desinquieta, pinta com furor de quem sabe da inevitável finitude da vida. Vai assim embaralhando vida, coragem perante a vida e pintura.
O gesto que um dia foi contido, a ponto de traçar o contorno de uma flor, no dia seguinte é descontrolado, derramando tinta líquida sobre a tela. Cada pintura é composta de várias camadas desses humores. Uma se sobrepõe à outra, ou melhor, pousa sobre a outra, sem escondê-la. Convivem como convivemos com os dias que vão passando, alguns de tranquilidade, outros de desespero. E segue-se. Esse registro de estados psíquicos intercepta um diário de viagens e culturas que a artista vivenciou nos últimos anos, mesclando cores carnavalescas bem brasileiras à iconografia indiana.
Quantos verbos ficam marcados nessas telas? Esparramar, derramar, erguer,
raspar, contornar, espirrar, bater, esfumaçar, misturar, jogar, aplicar, colar, traçar, preencher. Para finalizar esses cataclismos de energia vital, a artista fecha a tela com uma chave, que é sempre um padrão linear traçado na camada mais superior: linhas que fazem a pintura persiana (e quem ousa abrir essa persiana e olhar de frente para a massa disforme da vida?), uma flor que atravessa a tela de cima abaixo, suavemente contendo os dias passados, que ainda pulsam na composição, bandeirinhas que separam a festa caótica do mundo real, desenhadas em movimentos que mimetizam a escrita cursiva.
Ainda em um paralelo com a escrita, se essas telas fossem textos, seriam uma prosa coloquial, na qual a delícia está na ortografia errada e na gramática trôpega, que vai formando um espaço para a expressividade espontânea. E, iniciadas nos anos em que a artista brasileira estudou na École de Beaux-Arts de Paris, essas pinturas vernaculares ficam entre Guimarães Rosa e Raymond Queneau, sem esconder os sotaques, os ruídos, a falta de acabamento, em frases garranchadas com autenticidade.
“Não tem nada mais belo que morrer numa festa. Para mim a pintura representa esse drama, de morrer numa festa
diz a artista. Pintar para continuar, para fazer medrar do corpo a energia vital. Desmorrer a cada dia. Quando secar e for fim da festa, viveu-se bem; então é passar a chave e partir para a próxima. Tela? Vida? Tudo embrulhado. Se a pintura acabou, recomeçar uma pintura nova.
Em Paris, Renata Egreja concluiu em 2010 o mestrado em artes visuais na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts (ENSBA), onde terminou em 2008 a graduação em artes visuais iniciada na FAAP, São Paulo. Na estadia de quatro anos na França, aprimorou seus estudos sobre os pintores do grupo Suporte/Superfície (1970-1972) e sobre a fisicalidade da pintura, trabalhando sob orientação de Dominique Gauthier. Participou do salão de arte abstrata Réalités Nouvelles, no Parc Floral, Paris (2008), expôs na Galerie Droite, Palais des Études, e em 2010 foi premiada na exposição Jeunes Talents na Universidade Paris-Dauphine. De volta ao Brasil, foi selecionada em 2010 para uma exposição coletiva do programa de exposições do Museu de Arte de Ribeirão Preto. Em 2011, apresentará exposições individuais no Museu de Arte de Goiânia, Museu de Arte Contemporânea de Jataí, também em Goiás, e Museu de Arte Contemporânea de Curitiba.
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