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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Utopias e projeções no Ibirapuera: Mario Gioia entrevista Lisette Lagnado, Bazaar Art Brasil

Utopias e projeções no Ibirapuera: Mario Gioia entrevista Lisette Lagnado, Bazaar Art Brasil

Utopias e projeções no Ibirapuera
O Canal Contemporâneo publica com exclusividade a íntegra da entrevista de Mario Gioia com Lisette Lagnado originalmente publicada na revista número 1 da Bazaar ART Brasil, lançada em setembro de 2013.
Panorama 2013 centra o foco no questionamento da ‘transitoriedade’ de um museu já forte na cidade de São Paulo, o MAM, e leva para fora do parque projetos que o reinserem na zona central da capital paulista
A partir de um olhar “retroprospectivo”, como a curadora-assistente Ana Maria Maia gosta de frisar, o Panorama 2013 se reinventa, deixando de ser um mapeamento do que acontece nas artes visuais em âmbito nacional. Prefere, sim, questionar o status instável da instituição à qual está abrigada _ o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo). Quem está à frente dessa provocação é Lisette Lagnado, ex-Bienal de São Paulo, que, para a mostra que é iniciada em 5 de outubro, lança mão de projetos utópicos de escritórios de arquitetura e investigações críticas de artistas a respeito do circuito contemporâneo e da frágil situação em que se encontram museus, centros culturais e equipamentos diversos. A seguir, Lagnado comenta mais sobre a exposição e seus desdobramentos.
Mario Gioia - Como se deu a escolha do eixo curatorial do Panorama 2013? Por que a problematização do status ‘temporário’ da própria instituição?
Lisette Lagnado - Entendo que toda exposição deve responder à situação em que está colocada: a partir de que lugar (cidade, bairro, instituição) está falando? No caso do Panorama, precisei revisitar os propósitos da criação em 1969 desta mostra quase tão regular quanto a Bienal. E, nesse percurso, verifiquei que sua principal missão inicial já havia sido cumprida: inserir o MAM na cena artística brasileira e formar um acervo próprio depois da perda da coleção original que foi doada em 1963 para a Universidade de São Paulo fundar o Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP). Além de conseguir formar um acervo novo, o Panorama protagoniza outras conquistas: abolir divisões em suportes e linguagens como pintura, desenho e gravura e tridimensionalidade (Ivo Mesquita); descentralizar o eixo Rio-São Paulo; convidar um curador estrangeiro (Gerardo Mosquera); incluir artistas não-brasileiros e internacionalizar o debate estético (Adriano Pedrosa). Isso faz do Panorama hoje um espaço de destaque para curadorias fortes. O que falta então ao MAM hoje? Uma sede adequada para desenvolver um programa à altura de uma coleção que continua crescendo. A problematização desse status temporário foi uma deriva natural de uma reflexão mais profunda.
Mario Gioia - Fale sobre o processo de seleção dos artistas e dos escritórios de arquitetura. Quais os principais fatores que levaram à escolha desses nomes?
Lisette Lagnado - Procurei articular um diálogo entre artistas e arquitetos com a finalidade de agregar ideias em torno de uma nova sede (fosse ela real, utópica ou virtual). Qual a sua ligação com a marquise? Deveria permanecer no parque Ibirapuera ou buscar ampliar seu raio de ação? Enquanto Beto Shwafaty e Deyson Gilbert comentam obras da coleção “perdida” (Max Bill e Umberto Boccioni), outros (Pablo Uribe e Per Hüttner) trazem peças do acervo atual e levantam problemas espaciais (Clara Ianni, Daniel Steegmann, Vitor Cesar). Já para os seis escritórios de arquitetura de São Paulo e o escritório convidado de Montevidéu, é necessária a reproposição do programa moderno a partir da constatação da potencialidade de crescimento do museu. Somado a todos esses fatores, sua situação é desproporcional com o volume dos demais pavilhões no parque, como a Oca, o Pavilhão Manoel da Nóbrega....
Mario Gioia - Houve diálogo, nas obras finais, entre arquitetos e artistas?
Lisette Lagnado - Sim, o tempo todo, principalmente com as obras feitas especificamente para o local. Preocupei-me em evitar sobreposições de partidos arquitetônicos. Cada escritório defende um lugar e um edifício com características “supersingulares”. Quanto aos trabalhos dos artistas, alguns já existiam, porém ganham outra dimensão o contexto do P33. É o caso do filme do Yuri Firmeza e da Amanda Melo da Mota sobre a desfuncionalidade do complexo da Pampulha em Belo Horizonte, uma joia da arquitetura do Niemeyer, cassino transformado em Museu cujo programa também serve para festas de casamento e da série de fotografias do Mauro Restiffe. É importante acrescentar que esta exposição, além de ter um tom meio futurista (o título é emprestado do Boccioni, cuja peça comemora 100 anos!), vai mostrar muita pesquisa documental: Affonso Reidy, Lina Bo Bardi, Francisco du Bocage, Marcel Gautherot, Michel Aertsens...
Mario Gioia - Haverá trabalhos expostos fora da sede do MAM. Poderia comentar mais sobre eles e o porquê da localização?
Lisette Lagnado - Os trabalhos fora do Ibirapuera se devem ao projeto do gruposp, de Álvaro Puntoni e João Sodré, cujo escritório fica no Edifício Esther, um lugar estratégico para repensar o modernismo. Na análise deles, o MAM deveria voltar ao centro histórico onde já funcionou. Eles imaginaram uma inserção pulverizada em vários pontos, com vocação para se multiplicar. Aproximando a arte dos centros de maior densidade populacional, aumenta-se o “direito cultural” do cidadão. Então, além do Edifício Guinle na Rua Sete de Abril, identificaram a galeria Nova Barão, que, para Dominique Gonzalez-Foerster, remete ao Rio de Janeiro pelo desenho de seu piso. Pablo León de la Barra sustenta a ideia de um museu urbano, com acesso direto pela rua, mais vivo e popular, à maneira do Yona Friedman, que também está no P33.
Mario Gioia - Quais os elos do Panorama 2013 com outras cidades? As viagens a Recife, Belo Horizonte, Salvador e Rio geraram quais diálogos com as questões centrais da curadoria?
Lisette Lagnado - Além destas viagens, é preciso dizer que eu fui para Montevideo e San José, duas viagens que já estavam programadas quando fui convidada a fazer o Panorama. E incorporei estes outros ritmos de modernização porque entendo que o curador está em pesquisa permanente. É legal perceber que nesse momento de hiperconsumismo e aquecimento global, há arquitetos que se opõem a novas construções. Além do Yona, Phillippe Rahm virá ao seminário falar de arquitetura atmosférica. Somos um país tropical, um traço que influenciou os projetos do Flavio de Carvalho nos anos 1930 e 1940 e que Pablo León de la Barra desenvolve hoje com muita paixão e determinação. O Rio de Janeiro e a Bahia entraram na exposição para mostrar outros programas de museus de arte moderna. Affonso Reidy está representado graças ao trabalho de Fernanda Gomes e Pat Kilgore.
Mario Gioia - De certa forma, parece que a exposição atesta uma modernidade bem típica do Brasil, onde o provisório (as instalações do MAM) acaba se tornando sedimentado e ganha novo status, menos instável, mas, ao mesmo tempo, sempre motivo de críticas e especulações (explico melhor: a interrupção da circulação da marquise pelo museu foi criticada por nomes como Paulo Mendes da Rocha; e uma nova sede sempre foi aventada, ora na Oca, ora no Pavilhão das Culturas Brasileiras etc.). Acredita que todo esse debate fala muito sobre a situação particular e pouco segura das instituições museológicas nacionais?
Lisette Lagnado - De maneira transversal, sim, acabou acontecendo. Mas, para mim, isso que você menciona é um desdobramento. Acho que a tônica que predomina é nossa vocação para adaptar o moderno.
Mario Gioia - O projeto de Oscar Niemeyer para uma nova configuração dos equipamentos culturais no parque Ibirapuera será exibido. Na sua opinião, o modernismo imbricado no projeto do arquiteto, inaugurado em 1954, ainda faz sentido? Quais suas vantagens e desvantagens? Como lidar com um projeto nunca implementado totalmente e criado em uma outra situação urbana?
Lisette Lagnado - Assim como foi postulado, esse projeto não faz mais sentido e isso é normal. Não podemos ser nostálgicos. Os escritórios de Andrade e Morettin, SPBR e Tacoa têm um respeito por esse legado sem contudo deixar de repropô-lo. No 4º Centenário, foi ousado ganhar um parque como o Ibirapuera. Qual seria o presente a ser dado à cidade de São Paulo no 5º Centenário?
Mario Gioia - Como curadora de uma das principais exposições sobre o legado de Lina Bo Bardi (Desvíos de La Deriva, no Reina Sofía, em 2010), como vê os projetos de autoria dela para o MAM? E, por extensão, como avalia a importância atual dela no cenário internacional?
Lisette Lagnado - Obrigada por seu comentário. Não sei se fiz tanto assim. O que eu quis mostrar no Reina Sofía foram projetos de caráter mais lúdico e humanista, que por algum motivo não vingaram. Acredito que sejamos situacionistas e praticamos a psicogeografia no dia-a-dia sem necessariamente conhecer Guy Debord ou Asger Jorn. Nesse percurso, as Experiências urbanas de Flavio de Carvalho foram meu ponto de partida. A importância de Lina Bo Bardi vem, na minha opinião, de sua audácia em valorizar uma modernidade que não condene nem o vernacular, nem a cultura popular.
Mario Gioia - Acredita que o Panorama tenha perdido a função original de ‘mapear/revelar’ o cenário atual das artes visuais no Brasil?
Lisette Lagnado - Sim. Quando o Panorama foi criado, não existiam os programas que temos hoje, tais como o Rumos do Itaú Cultural, a Bolsa Pampulha, o Prêmio Marcantonio Vilaça. Se o formato do Salão já caducou, não faz sentido aplicá-lo a uma mostra com o prestígio do Panorama!
Mario Gioia - Quais as influências das edições do Panorama de Adriano Pedrosa e de Gerardo Mosquera na concepção deste de 2013?
Lisette Lagnado - Graças às mostras deles, foram dados saltos significativos para o Panorama deixar de ter uma importância local. Isso encoraja os curadores a pensar além. O debate cresceu porque absorveu as mudanças propostas por esses curadores. É preciso dar continuidade aos pensamentos anteriores ao invés de escondê-los em gavetas proibidas...

fonte Canal Contemporâneo

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