Rodrigo Zeferino | Terra Cortada
De 28 de Janeiro a 03 de Março, 2012
De 28 de janeiro a 3 de março, o artista mineiro Rodrigo Zeferino inicia o período expositivo da Zipper Galeria com a série Terra Cortada - 14 fotos que evidenciam a intervenção do homem sobre a natureza. As imagens da série mostram relevos e barrancos, das regiões montanhosas de Minas Gerais, literalmente cortados para a realização de obras de engenharia, estradas em sua maioria.
Em Terra Cortada, o diferencial nas fotos fica por conta do uso da técnica de fotografia noturna, que traz à tona luzes e cores praticamente invisíveis ao olho humano, além de potencializar a visualização de detalhes como rastros de estrelas e as várias camadas formadas pela sedimentação da terra, cada uma com um tom diferente. A junção de luz natural e iluminação urbana compõe as imagens registradas por Rodrigo Zeferino.
Segundo Zeferino, a série foge à fotografia convencional já que, com o auxílio da baixa velocidade do obturador da câmera, as cores das imagens se tornam bastante inverossímeis. “A luz está lá, e é exatamente daquela cor, mas como são luzes muito baixas, o olho não consegue ver. Só a fotografia dá conta de revelar”, comenta. Nessa série, o artista tenta desestabilizar a percepção visual comum ao desconstruir o registro da paisagem, um dos gêneros mais tradicionais da história da arte. A fotografia altamente técnica de Rodrigo Zeferino ganha destaque também na impressão feita a jato de tinta sobre papel algodão, sugerindo um efeito aveludado.
Efeito da saturação distorce a realidade
Para Rodrigo Zeferino, as fotos reunidas na série Terra Cortada representam tudo aquilo que escapa à apreensão do olho humano. “A terra, o céu e seus elementos são percebidos de forma mais detalhada, por conta da luz absorvida pela câmera com os longos tempos de exposição, que vão de 30 segundos a 20 minutos. Toda essa luz, invisível ao olho humano, torna as cores mais vibrantes e revela inúmeros detalhes que geralmente passam despercebidos. Com essa técnica, um novo universo se ergue diante dos olhos do espectador”, comenta.
Algumas das imagens parecem ter sido feitas durante o dia, mas o fotógrafo apenas explorou a luz da lua, que é a mesma luz do sol refletida, porém em muito menor intensidade. Combinada com a iluminação pública de diferentes tipos e colorações variadas, o artista cria cenários fantasiosos. Em paralelo, Rodrigo Zeferino consegue contrapor esses cenários à presença incisiva da passagem que o homem transformou, com a agressividade representada pelos cortes no relevo que remetem a enormes feridas na terra.
Texto curatorial por Eder Chiodetto
Abrir picada, caminho, estrada. É preciso ir em frente. É preciso? Na obstinação de ampliar sua fatia de território, o homem rasga, edifica, molda a paisagem. No trânsito entre o ter sido e o vir a ser da paisagem, acumulam-se vestígios, restam restos. Grandes monumentos construídos em honra ao absolutamente nada.
Volumes amorfos de uma paisagem que ao ser transformada deixa de ser o que foi sem, no entanto, se constituir numa forma lógica ou adquirir uma nova função. A terra cortada, nua, num súbito, revela suas até então segredadas camadas de sedimentos que rabiscam, desenham e colorem em texturas improváveis. Terra à vista!
Essa paisagem-estorvo, em formato de barrancos abandonados, parece clamar por uma significação, um novo sentido que a livre da descomunal aparência que a atitude grotesca da engenharia civil lhe impôs. Essa inútil paisagem antiestética, extirpada de sua origem para ser desvelada crua e cruelmente, não se dá à contemplação do belo, não possui função social, mas nem por isso silencia e tampouco sua escala a deixa passar despercebida.
Fora justamente esse clamor, esse sussurro emitido pelos grotões com suas cicatrizes expostas, que servira de detonador do processo criativo do artista Rodrigo Zeferino. O paradoxo da paisagem, transformada num estrondoso monumento ao absolutamente nada, é o ponto de partida para que o artista perceba esse circuito de significação interrompido e o leve adiante esgarçando, por sua vez, os limites da linguagem fotográfica para que, enfim, a paisagem encontre uma representação que lhe afirme um lugar no mundo.
No mundo? Sim, no infinito e particular mundo simbólico e imaginário que Zeferino vem aos poucos constituindo e nos revelando em suas séries que comumente equacionam de forma original e inesperada o embate entre a luz e seus efeitos sobre a terra. Ou seria sobre a Terra – posto que na essência, seu trabalho possui a capacidade de verter o microcosmo do aparentemente banal na percepção poética do universo em escala macro?
Para representar esse mundo particular, sideral, fantástico, Zeferino cria estratégias que possibilitam "magicizar" a paisagem. As intervenções radicais feitas pela engenharia ao esculpir violentamente a terra encontram um correlato no uso que o artista faz da fotografia. Uma transgressão se sobrepõe a outra. Logo, Zeferino corrompe, de certa forma, os códigos padronizados da fotografia.
As imagens de Terra Cortada estão longe de ser a devolução mecânica e respeitosa que a fotografia de paisagem em geral devota aos monumentos. A fotografia atua nesse circuito de significados criado por Zeferino com a função de desestabilizar a percepção visual comum. Assim, o estranhamento da paisagem encontra seu duplo na forma errática que o artista vai utilizar ao fotografar com longas exposições e o uso de luzes artificiais que conferem à imagem final uma estética de contornos irreais, ainda que factíveis.
Ao final do processo a imagem representa exatamente aquilo que escapa à apreensão do olho humano. Paradoxalmente a fotografia não certifica o existente, mas documenta o que nos escapa. Imagem-imaginação! A paisagem comum se torna cenário, vestígio contundente, agora, de um lugar inapreensível, estelar, lunar.
A terra revolvida e sem sentido agora serve de símbolo de um universo inventado por meio da iconografia do artista que encontrou o seu devir poético na junção improvável dos escombros deixados pelos arroubos expansionistas do homem com a capacidade da fotografia em criar mundos paralelos à realidade.
Essas estratégias meticulosamente tramadas por Zeferino por vezes nos levam, em determinadas imagens, a antever uma paisagem lunar ou mesmo as florestas encantadas das narrativas das histórias infantis ou da literatura fantástica, porém, com a presença incisiva da passagem transformadora do homem.
A alquimia que resulta do processo do artista finda por reconectar o outrora abandonado e desenraizado grotão de terra ao cosmos. O céu em movimento, as estrelas em rebuliço, a terra cortada que denuncia a onipresença humana, o tempo que flui dessas fotografias. As imagens de Rodrigo Zeferino ecoam a ancestralidade do que se perpetua no Cosmos à revelia da ação do homem.
Outras séries de Zeferino
A fotografia de paisagem é o principal gênero da obra deste fotógrafo mineiro. Na série Caixas, Zeferino teve seu foco na arquitetura peculiar das quase 20 cidades que formam o Vale do Aço, em Minas Gerais. Registrando os galpões das indústrias, que se impõem agressivos e opressores no enquadramento escolhido por ele. Com a câmera próxima ao chão, Zeferino captou o movimento das nuvens e raios de luz, colorindo o cenário até então desoladamente cinza e rude.
Em mais uma pesquisa no Vale do Aço, com objetivo de conhecer a população rural da região, Rodrigo Zeferino usou uma lente grande angular posicionada a poucos centímetros do peito do retratado. O resultado é a série Bustos, que se aproxima tanto que não capta os olhos das pessoas, só suas mãos, cor da pele, cicatrizes e adereços.
A série Revelações, criada a partir de cores registradas à noite desde 2002, capta sutilezas da luz ao longo de 15 ou 20 minutos de exposição. Os tons quentes da iluminação pública, verdes na luz branca de alguns postes, constroem imagens aparentemente irreais, mas sem nenhuma manipulação.
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