O artista plástico Rubem Grilo traz para seus trabalhos as coisas que viu e que o impregnaram, despertando-lhe sonhos, pensamentos e vivências. O resultado são obras extremamente ricas em detalhes, que passeiam pelo fantástico, com linhas e traçados surpreendentes.
Talhados na madeira e impressos em tecidos ou papel, traços de homens e suas almas denotam com clareza o estilo de Grilo. Em seu mundo, podemos ver não só o contorno exterior dos personagens, mas aquilo que os preenche. As expressões e contextos nos fazem imaginar a mão do artista a trabalhar nos vãos que, preenchidos com a tinta da xilogravura, se transformarão em um resultado tão belo quanto curioso e, por vezes, sombrio.
Com 40 anos de carreira, Rubem Grilo encontrou no desenho uma forma de superar a crise pela qual passou após se formar em Agronomia. Estudante recém-graduado no período da ditadura militar, Grilo chegou a ser preso duas vezes, ainda na universidade.
A mudança de profissão e a identificação com a xilo se deu pelo envolvimento manual da gravação – as etapas do trabalho vão desde a elaboração do desenho até o estágio final da impressão. Para ele, a obra impressa contém a marca do que aconteceu durante o processo, e seu resultado funciona como um espelho, que reflete o oposto do ponto de partida.
De suas primeiras obras, feitas em 1971, restam apenas lembranças. As quase 300 xilogravuras foram destruídas e, graças a isso, o autor acredita ter queimado uma espécie de gordura criativa, como quem precisa esvaziar um espaço para preenchê-lo novamente.
O que pode parecer loucura para alguns funcionou para o artista, pois, com uma obra que amadurece enquanto trafega pela ousadia da experimentação, Grilo se entrega prazerosamente ao acaso. Para ele, mais que a influência de Oswaldo Goeldi – nome impossível de ser esquecido quando se lembra do expressionismo na xilogravura – e da compreensão e absorção do humor crítico, adquirido em seus tempos de redação, quando era ilustrador de jornais (o que voltou a fazer hoje, ilustrando a coluna de Ferreira Gullar), o mais interessante no processo é o jogo de interação entre as interferências concretas e o acaso. “Essa parte imprevista é a que mais me motiva, pois sinto que ela me ultrapassa”, afirma Grilo.
Apesar do volume de dados e informações que o circundam, ele acredita que a obra se desenvolve na solidão do ambiente de trabalho, e diz: “há o sentimento de orfandade do mundo. O trabalho surge de uma página em branco, de um espaço a ser ocupado pela subjetividade”.
Para quem se dispõe à aventura, a obra de Rubem Grilo vence os limites do real e absorve quem a contempla, dando ao observador a vontade de mergulhar em seu universo. Como escreveu Ferreira Gullar: “que a gravura tem um caráter próprio, inconfundível, é inegável. Tentar apreendê-lo e defini-lo é o desafio que se tem pela frente”.

O texto acima foi originalmente escrito para a sessão de Portfólio da Revista Continente de setembro/2011


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