“Tenho 62 anos e nasci em Grenoble, França, onde anos depois estudei História da Arte. Inaugurei o Museu Nacional de Bamako, no Mali, e fiz projetos na África Ocidental. Cheguei a Lyon em 1984 para ficar dois anos e lá estou até agora. Já estive no Brasil 12 vezes. Vou mais a São Paulo que ao Rio, por causa da Bienal”
Conte algo que não sei.
Há uma coisa que me deixa desconfortável no Brasil: sou um amante do rúgbi e, na TV, só se vê futebol. Não acho que seja uma ditadura, mas é algo muito forte. E tem mais uma coisa: o Brasil tem artistas plásticos tão bons quanto os seus jogadores de futebol.
O que afinal faz o diretor artístico de uma bienal?
Na França, gostamos muito de palavras. Então, adotamos na arte essa expressão, em geral usada no universo musical. Significa que sou responsável pelo orçamento, pelo conselho de administração, pelo projeto artístico. Fui o curador das três primeiras edições da Bienal e, desde então, tenho convidado outros profissionais, de diversos países.
Por que trabalhar com arte?
Ia muito mal na escola e passei no bacharelado com a menor nota possível. Vi a lista de notas exigidas pelas universidades e, lá embaixo, estava História da Arte. Entrei quase por acaso, mas já no primeiro ano fui uma revelação e me convenci de que a arte contemporânea era algo que me interessava muito. Na minha turma, éramos um dez. Hoje, esses cursos têm mais de mil alunos no primeiro ano.
Qual a razão desse aumento exponencial de interesse?
Há duas razões. A primeira tem a ver com o que chamo de cultura das telas. Todo jovem geek, de 15 a 35 anos, passa quatro horas por dia lidando com imagens. Essas pessoas são muito criativas e identificam na arte contemporânea uma forma de dar vazão a isso. A segunda razão é: todos querem ser Michelangelo. No teatro, um ator pode ser famoso por cinco, dez anos. Na música, um cantor as vezes faz um sucesso e desparece. Na arte, o que está em jogo é entrar na História.
Como esse enorme fluxo de imagens mudou a arte?
Nos anos 1960 e 1970, os artistas criticaram a forma como a arte era produzida, tentaram fazer outro tipo de pintura. Depois, foram para as performances, vídeos, coisas estranhas, se falou em arte conceitual. Ali houve uma ruptura com o público não especializado. Depois, com a chegada da internet e das novas imagens, ao invés de criticarem esse suporte, os artistas passaram a utilizá-lo. Hoje fazem obras complexas, mas muito mais fáceis de o público entender, mais realistas. Essa é uma razão para haver tanta gente nos museus hoje.
A arte brasileira ainda é vista como exótica na Europa?
Não. No passado, havia esse olhar paternalista e colonial. Mas a grande lição do Brasil e da Argentina foi, sem rejeitar a Europa, ter discutido princípios culturais. Essa é uma história de diálogo conflituoso e harmonioso, de amor e fúria. Nos anos 1950, artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica eram considerados exóticos. Porém, há 20 anos as coisas mudaram. Nos demos conta de que havia um desinteresse injusto em torno de grandes artistas.
Que obra sintetiza o Brasil?
Não há uma, são muitas. Dos artistas cultuados na Europa, apontaria Cildo Meirelles e Tunga. Há também artistas jovens que estão se destacando como Paulo Nimer Pjota e Gustavo Speridião.
Eles estão em “Imagine Brazil”, do qual foi curador. Qual palavra definiria a exposição?
Seria mesmo “imagine”. O Brasil é uma cultura do imaginário. Na Europa, temos uma ideia pronta do Brasil. Imaginamos o país da dança, mas não o brasileiro engajado na vida de uma forma universal. Além disso, acho “imagine” uma palavra linda.