O mar de Sergio Lucena
Enock Sacramento – crítico de arte
As pinturas que Sergio Lucena reúne nessa exposição remetem aos primeiros dias da criação. No primeiro dia, disse Deus: Haja luz. E houve luz. E ele a apreciou. A ela deu o nome de dia e às trevas, o nome de noite. Mediante expansão das águas primordiais, criou o céu e a terra, subdividindo esta numa parte seca, a terra propriamente dita, e numa outra liquida, o mar. O mar tem sido o leitmotiv da pintura atual de Sergio Lucena, paraibano de João Pessoa que, no início dos anos 90, viveu em Berlim, Alemanha, e que hoje reside e trabalha em São Paulo.
Antes de adentrar o universo luminoso de sua obra atual, Sergio Lucena percorreu um longo caminho, durante o qual afinou sua sensibilidade e aprimorou seus meios expressivos. As primeiras obras surgiram na esteira de suas vivências paraibanas e da cultura nordestina brasileira. Trata-se de pinturas de figuras humanas quase sempre agrupadas, de naturezas marcadamente simbólica, alegórica e satírica, referenciadas no circo e no teatro mambembe. Nelas, Lucena registra e recria a sensação de estranhamento que o mundo lhe causava.
Na segunda metade da década de 80, sente a importância da luz como elemento revelador de outros níveis de expressividade. Sua técnica evolui, os fundos de suas pinturas escurecem. Sua maneira de ver o mundo, todavia, continua guiada pelo mágico, pelo fantástico. Algumas figuras incorporam elementos animais tais como chifres e caudas, numa espécie de animalização do homem ou de humanização do animal. O crescente interesse de Lucena pela luz o leva trocar a acrílica pelo óleo, mais adequado às suas exigências técnicas. Em sua obra, surge a paisagem, quer como fundo de figuras humanas e animais, quer como motivo principal de sua pintura.
Em 2003, Sergio Lucena monta ateliê na Rua Apinagés, São Paulo, onde o conhecemos. Nesta altura, estava envolvido com a produção de uma nova série, de animais híbridos, míticos, de aspecto arcaico, pintados/desenhados com tinta acrílica sobre suportes diversos – papel, cartão, madeira - muitos em preto, branco e cinza. Trata-se da série dos “Deuses da terra”, que inclui bois, grifos, cervos, cavalos, lagartos, peixes, com pele que remete a armaduras filigranadas. Não raro estes animais são qualificados como voadores, loucos, ridentes. Nesta série, Lucena trabalha intensamente a forma. Inquieto, todavia, não tarda a voltar ao primado da cor ou, melhor dizendo, da luz. Lucena coloca esses animais em cenários naturais tão iluminados que suas formas se diluem na paisagem. Na seqüência, surgem os “Deuses do céu”, em que a luz chega ofuscar a vista.
E, finalmente, entrega-se à criação da série “Mar”, que o Centro Cultural Correios coloca ao alcance do público carioca e das pessoas que visitam a iluminada cidade do Rio de Janeiro. O mar de Sergio Lucena não é o meu mar. Nem o seu. Nem o de ninguém. É um mar particular, que ele gesta na superfície de uma tela branca ou numa folha clara de papel. Um mar muitas vezes azul, de um azul profundo, cinza, chumbo, violáceo, verde, dourado, fúcsia, de uma cor obtida por várias camadas de tinta e que, não raro, não está na superfície, mas vem do fundo. Na pintura atual de Sergio Lucena a forma praticamente desaparece e a cor se transforma em luz.