Escândalo de obras falsas turbina lobby por nova lei no país
DE SÃO PAULO
Escândalos nas últimas semanas envolvendo obras falsas de artistas brasileiros em duas das maiores casas de
leilão do mundo, a Christie's e a Phillips em Nova York, deixam evidente a sofisticação crescente de falsários no país.
"Estão furando o bloqueio até das casas de fora", diz Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, uma das maiores casas de leilão do Brasil. "Esses golpes já se tornaram quase diários."
Enquanto advogados se esforçam para levar ao Congresso um novo projeto de lei que tornaria a falsificação de obras de arte um crime --a ação por enquanto é só enquadrada como estelionato ou falsidade ideológica--, a Phillips adiantou à Folha uma mudança nas regras.
"Sempre que uma obra não estiver catalogada pelo espólio do artista, vamos consultar seus herdeiros", diz Laura Gonzalez, especialista em arte latino-americana da Phillips, que retirou na semana passada um Alfredo Volpi "duvidoso" de um leilão.
Editoria de Arte/Folhapress |
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"Quem nos entregar obras para venda será informado de que vamos revelar seu nome aos herdeiros. Temos boas relações com o Brasil, mas o número de falsos é cada vez maior. É importante criar regras claras de autenticação."
No caso de obras falsas, advogados que defendem os direitos de artistas como Volpi e Candido Portinari tentam criar mecanismos para evitar que essas peças continuem a circular no mercado mesmo com suspeitas de falsificação.
Nada impede, por exemplo, que as supostas obras de Ivan Serpa, Mira Schendel, Amilcar de Castro, Roberto Burle Marx e Volpi, removidas dos leilões da Christie's e da Phillips, voltem ao mercado brasileiro "chanceladas" pela aparição no catálogo dessas casas renomadas.
"Botar a obra numa casa de leilão é um expediente frequente entre o pessoal que trabalha com coisas duvidosas", diz Marco Antonio Mastrobuono, diretor do Instituto Alfredo Volpi. "A própria pessoa articula para a peça não ser arrematada e depois tenta
vender aqui com o catálogo em que ela aparece."
E elas aparecem cada vez mais. Num cenário que combina a fissura internacional por obras brasileiras e preços em alta, mas em que ainda falta conhecimento para identificar falsos, agentes de mercado no Brasil pressionam o governo a apertar o cerco contra falsários.
CAMINHO TORTUOSO
"Estamos agora trabalhando num projeto para tipificar como crime a falsificação", diz Maria Edina Portinari, diretora jurídica do Projeto Portinari. "No Brasil, isso não é crime. Se alguém estiver vendendo uma obra que sabe que é falsa, é estelionato. Se é pego em flagrante dizendo que é daquele artista, é falsidade ideológica. Mas esse ainda é um caminho tortuoso."
Luis Gustavo Grandinetti, desembargador aposentado do Rio, foi consultado pelos Portinari para aprimorar o projeto de lei que deve ser encaminhado ao Congresso. Ele propõe que a corte possa convocar uma comissão de especialistas sobre um artista para determinar se uma obra é ou não inautêntica.
Enquanto outros países têm isso previsto em lei, exigindo que uma obra declarada falsa por especialistas seja apreendida e destruída, a lei autoral no Brasil ainda é "omissa", na opinião de Pedro Mastrobuono, advogado do Instituto Alfredo Volpi.
"Um expert no Brasil não diz que uma obra é falsa porque ele pode ser denunciado por calúnia. Do ponto de vista jurídico, a figura do expert não está fundamentada", diz Mastrobuono. "Enquanto esses agentes estiverem desprotegidos das sanções criminais, estarão melindrados em assessorar as casas de leilão."
No projeto de lei dos herdeiros de Portinari, a comissão de especialistas a ser convocada pela corte teria o poder de um perito e não correria o risco de ser processada pelo dono da obra suspeita. "Esse risco de constrangimento desapareceria", diz Grandinetti. "Isso precisa ser levado ao debate político." (SILAS MARTÍ)