“Sugar and Speed”, curadoria de Stefanie Hessler
A história do Recife, a maior área metropolitana do Nordeste brasileiro, não pode ser contada sem a história do açúcar e da mão-de-obra. A cana-de-açúcar foi introduzida pela primeira vez no Brasil em 1532, importada pelos portugueses. Com a maioria das plantações situadas em Pernambuco, a colônia logo se tornou o principal produtor de açúcar de todo o mundo, acelerando a prosperidade econômica do país—ainda que somente compartilhada por alguns. Desde o início, os colonizadores europeus forçaram as populações indígenas a trabalhar nas plantações e, com o declínio do número de trabalhadores devido a doenças introduzidas pelos próprios colonos e por causa das terríveis condições de trabalho, os escravos eram cada vez mais importados da África Ocidental. A taxa de crescimento econômico se tornava assim num princípio ofuscante que se comprometera a renunciar todos os outros. Deste modo, o precipitado desenvolvimento agrícola e comercial da região persistiu na exploração da mão-de-obra humana.
Como Paul Virilio observou, derivadas de “vitesse”, o termo francês para velocidade, são as palavras “vie” e “vif”, vida e força. A velocidade não é apenas pertinente para a produção de açúcar por meio de trabalho escravo e em processos de trabalho mecanizado, mas também devido aos seus efeitos metabólicos. O consumo de açúcar tem sido associado com o envelhecimento acelerado, e sua ingestão desencadeia a liberação de hormônios e neurotransmissores que estimulam a área do cérebro nucleus accumbens, que está associada com o prazer e com o reforço da aprendizagem. O uso excessivo e a tolerância adquirida exigem o consumo de quantidades cada vez maiores para sentir o mesmo grau de satisfação.
O desejo de gratificação instantânea de desejos somáticos que, uma vez estimulados, exigem quantidades cada vez maiores, pode ser comparado com a aceleração das economias de mercado, bem como a aceleração das tecnologias de transporte e de consumidor, implicando uma mais rápida superação da distância. No entanto, a distância é precisamente a base sobre a qual o capitalismo é construído, criando um mundo de objetos em que os sujeitos os cobiçam ansiando pelo que está fora de seu alcance. Com a digitalização da informação, e sua rápida distribuição e onipresente acessibilidade—pelo menos em princípio—os desejos não se limitam à matéria física. O modo como trabalhamos com e contra computadores é o eixo central do vídeo de Tyler Coburn, enquanto Fia Backström lida com as economias do mercado global e com a neuropsicologia. A tecnologia, os estados liminares entre trabalho e descanso, e a escrita de Clarice Lispector são os vetores do trabalho de Lisa Tan, e Paulo Bruscky trata a função de controle das tecnologias. A mercantilização de bens intangíveis como o ar é abordada por Goldin+Senneby.
Em sincronia com a crescente digitalização do trabalho e das mercadorias, as condições de trabalho físico próprias de escravo continuam todavia a persistir na agricultura açucareira. A história da cana-de-açúcar ressoa em pinturas de Francisco Brennand, Luiz Guilherme e Jean Pierre de cenas rurais pernambucanas. Sons da diáspora em constante expectativa ecoam no trabalho de Vivian Caccuri e as xilogravuras de Gilvan Samico exploram o folclore agrário e cosmologias da cultura luso-brasileira.
A aceleração crescente dos processos de trabalho desde a revolução industrial contrasta com o tempo telúrico e os padrões de crescimento “naturais”, uma vez que colheitas feitas para render mais rapidamente acabam por esgotar o solo em que crescem. Os contrastantes estados de espírito desacelerados são evocados pelo vídeo meditativo de Katarina Löfström, enquanto fragmentos frenéticos do texto de Dimen Abdulla reconstroem dias de trabalho e futuros econômicos incertos. O calendário fotográfico de Rivane Neuenschwander faz referência à medição do tempo em termos produtivos, enquanto a eliminação da agricultura do Recife urbano, seguindo o impulso para o desenvolvimento econômico, é abordada por Jonathas de Andrade.
As obras expostas se reunem em uma constelação de perguntas: se as relações coloniais e capitalistas dependem da exploração de outros e reforçam dependências assimétricas, como são reconfiguradas quando os papéis de produtor e consumidor se tornam cada vez mais entrelaçados na mão-de-obra digital—quando produzimos mesmo quando consumimos? Como são afetados aqueles que são privilegiados e os que são marginalizados por esta forma contemporânea de capitalismo? Poderão os ciclos de dependência induzidos por dopamina, evocados através do açúcar, das drogas ou, como recentemente afirmado, do uso da internet, ser uma forma de endocolonização, uma dependência auto-imune—apesar de, por enquanto, em condições menos fatais? Poderemos mudar as relações dualistas desequilibradas, des-linearizar as contra-direcionadas rapidez e lentidão reducionistas e desestabilizar a transformação de toda energia em combustível? E, o mais importante: Será você rápido o suficiente?
A exposição tem estas perguntas como um ponto de partida. Apresentando obras da coleção do museu e de artistas convidados, considera a rede interligada de forças e histórias transmitidas através do tempo e do espaço até ao presente, taxas de crescimento econômico acelerado e metabolismos do trabalho, o passado complexo e a contemporaneidade do açúcar, aceleração tecnológica e somática, e processos de mercantilização em Recife e além.
Curadora: Stefanie Hessler Produção: Silvana Lagos Assistente de pesquisa: Sara Rossling
Realização [Swedish Arts Council, MAMAM; Prefeitura Recife]
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM) Rua da Aurora, 265, Boa Vista, Recife Telefone: +55 (81) 3355-6871Horário de visitação: de terça-feira a quinta-feira, das 12h às 18h, sábado e domingo, das 13h às 17h Entrada gratuita
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