Vida gravada em madeira
Museu Nacional de Belas Artes monta exposição com 123 obras de Rubem Grilo
A xilogravura é uma técnica considerada relativamente simples, dividida em dois passos: primeiro, entalha-se, utilizando um instrumento cortante, uma imagem num pedaço de madeira. Depois, usa-se tinta para passar a imagem desenhada para o papel, pressionando a madeira contra a superfície, como se fosse um carimbo. Tal simplicidade da xilogravura, que pode ser feita de maneira totalmente manual, não impede que alguns mestres a utilizem com rara maestria. Como é o caso de Rubem Grilo, mineiro radicado no Rio a quem é dedicada a exposição Rubem Grilo – a trajetória do artista, em cartaz a partir de quarta-feira, 20/03, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA).
“Iniciei as primeiras xilogravuras em 1971. Primeiro porque, anteriormente, fiz algumas esculturas, e achei que o trabalho do entalhe em madeira seria um caminho interessante a partir daí. E depois, porque queria fazer algo que envolvesse o desenho. Então, a xilogravura surgiu como uma técnica de formação que envolvia esses dois lados. E, quando vi, passaram 43 anos”, diz Rubem Grilo. O acervo em exposição, que abrange 123 obras feitas entre 1971 e 2012, foi conseguido a partir de um projeto pessoal do artista. A etapa final prevê a transferência de 500 de suas obras para o Gabinete de Gravura do MNBA, que serão somadas a uma doação anterior, de aproximadamente 900 trabalhos. “Cultura é memória, pois tudo que desaparece é como se nunca tivesse sido feito. Por isso é importante que a obra esteja em um local público e de fácil acesso, para poder ser pesquisada, manuseada e vista ao longo do tempo”, acredita.
As obras estão dispostas de maneira que é possível ver não só a evolução do artista através de xilogravuras das mais diferentes dimensões, mas também acompanhar sua busca por uma linguagem própria. “Ao longo do tempo, acontecem mudanças, mas também confirmações, com o aprofundamento de um território que é a própria subjetividade do artista, num caminho de descoberta de si mesmo. Dessa maneira, não fui eu que fiz a obra, ela que me fez, que acaba me moldando, apurando meu olhar e a percepção de todo esse processo de criação”, considera Grilo.
A xilogravura no Brasil
Dentre as técnicas de gravura, a xilogravura é a mais simples e também a mais antiga. Surgida na China no período antes de Cristo, chegou ao Ocidente no final do século XIII e começo do XIV. “Por aqui, era usada sobretudo para criar imagens religiosas, e, um pouco mais tarde, para o desenho de cartas de baralho. Com a chegada da imprensa, no século XV, despontou como um meio de ilustração. Se adaptando à tipografia usual da época, aparecem muitos livros com ilustrações feitas por xilogravura”, diz Marcos Varela, coordenador do curso de graduaçãoem gravura da Escola de Belas Artes da Ufrj.
No Brasil, chegou tardiamente, em parte devido à proibição da imprensa no período da colonização. “A xilogravura surge em 1808, com a chegada de Dom João VI. A imprensa régia trouxe gravadores ligados ao governo português, e muitos livros impressos eram mandados para o interior”, continua Varela, acrescentando também que foi o envio de tais livros o incentivo para as ilustrações da literatura de cordel, sempre lembrada quando se fala em xilogravura nacional. “Na Europa, em países como França e Alemanha, também surgiram gravuras parecidas com as de Cordel, no interior. Porque são lugares distantes, onde era difícil o acesso a técnicas mais sofisticadas. A xilogravura é um processo de ilustração que usa materiais simples, o que talvez explique essa aceitação”.
Já Júlio Castro, há dois anos e meio professor de xilogravura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), frisa que a técnica “vai muito além da tradição forte do cordel”. “A xilogravura tem esse dado de ser uma técnica direta e simples, mas também é válida na arte contemporânea através da renovação de sua linguagem”, diz ele, citando nomes como Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, que, nos anos 30, usaram a xilogravura de maneira experimental. Mais recentemente,Maria Bonomi vem desde os anos 60 e 70 se destacando no cenário das artes em São Paulo por subverter padrões comuns da técnica. “A xilogravura normalmente é vista como uma arte intimista, feita em pequenos espaços, para ser vista de perto. Bonomi faz obras coloridas e em grande escala, trabalhando possibilidades não pensadas antes”.
Para Rubem Grilo, reconhecido como um dos mais sofisticados e importantes nomes na arte da xilogravura, mais importante do que o material escolhido, porém, é o domínio que se tem sobre ele. “O maior desafio de qualquer artista é transformar o material em sujeito. Por exemplo, vejamos a Pietá, de Michelangelo. A impressão que temos ao vê-la é de leveza. Então, ela deixa de ser mármore, deixa de ser pedra e passa a ser delicadeza. O artista deve buscar tornar sua subjetividade predominante, independente do objeto”, finaliza.
Mais informações em Programação Cultural.
Colaboração de Marianna Salles Falcão
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