Setores culturais reagem ao uso da lei Rouanet na moda
Produtores teatrais pedem reunião com ministra da Cultura em documento
Associações alegam que desfiles de roupas são uma 'concorrência desleal' em relação a espetáculos de teatro
O uso da Lei Rouanet em benefício de desfiles de moda, liberado pelo Ministério da Cultura na semana passada, causou as primeiras reações de setores culturais.
Entidades do teatro devem enviar nesta semana um ofício à ministra Marta Suplicy. O documento critica a autorização para que os estilistas Pedro Lourenço, 23, Alexandre Herchcovitch, 42, e Ronaldo Fraga, 46, tentem captar mais de R$ 7 milhões via Rouanet --que é um mecanismo de fomento à cultura por meio de renúncia fiscal.
No texto, a APTI (Associação de Produtores Teatrais Independentes) e a Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro pedem uma reunião com a ministra.
Presidente da APTI, o ator e diretor Odilon Wagner afirma que não vê problemas na inclusão da moda na Lei Rouanet, desde que o benefício vá para a parte criativa dos artistas do setor e não para a "promoção" de suas obras por meio de desfiles.
"É muito comum outras áreas quererem entrar na calha da lei. Sofremos uma concorrência muito desleal", diz.
A decisão de aprovar os projetos de moda foi tomada por Marta depois de a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que decide quem pode captar via Lei Rouanet, ter indeferido o pedido de incentivo para dois desfiles de Pedro Lourenço na semana de moda de Paris, em outubro deste ano e março de 2014.
"Os desfiles têm publicidade espontânea enorme, e os empresários poderão aplicar seudinheiro nisso. O teatro não tem como fazer merchandising nos espetáculos", diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro.
Os projetos de Fraga e Herchcovitch nem sequer foram votados pela comissão:foram aprovados em caráter de urgência por Marta. Segundo a ministra, os desfiles fortalecerão a imagem do país no exterior.
DISCUSSÃO CORPORATIVA
O diretor do Museu da Cidade de São Paulo, Afonso Luz, que integrou a secretaria de Políticas Culturais e hoje é um dos responsáveis por intermediar a relação entre nomes da moda e o ministério, critica a ideia comum de que o setor seja elitista.
"Se alguém pede [o incentivo], é porque precisa. Essa discussão é mais corporativa. Ser reconhecido como setor cultural e não usufruir dos benefícios públicos disponíveis é como não ter cidadania. Moda não se resume à indústria do luxo", diz.
"O problema é que, na hora de dividir o bolo [da Lei Rouanet], ninguém quer compartilhar", afirma o estilista Ronaldo Fraga. Para ele, "a moda precisa de incentivo fiscal", e o Ministério da Fazenda e o do Desenvolvimento deveriam abrir as portas para os estilistas.
"Mas, se o primeiro passo veio do Ministério da Cultura, ótimo, qual é o problema? A lei não vai resolver o problema da indústria, porque ela já está perdida", diz Fraga.
A Lei Rouanet já foi centro de outras polêmicas. Em 2006, a companhia canadense Cirque du Soleil foi autorizada a captar R$ 9,4 milhões, apesar do valor alto de seus ingressos. Em 2011, a cantora Maria Bethânia obteve autorização para captar R$ 1,3 milhão para fazer um blog. Alvo de críticas nas redes sociais, desistiu do projeto.
Durante os debates sobre o projeto de Lourenço na Cnic, a associação teatral já havia enviado uma carta à comissão, que dizia que os desfiles "provocariam distorções imediatas e uma insuperável assimetria concorrencial com os segmentos culturais na disputa por verbas".
Em 2012, o setor teatral captou cerca de R$ 252 milhões pela lei de incentivo fiscal, representando quase 20% do total distribuído por meio da Rouanet.
A moda, por sua vez, captou R$ 168 mil, ou 0,01% do total (veja quadro ao lado).
Embora não haja políticas públicas específicas para o setor da moda, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior faz investimentos na área por meio do Texbrasil (Programa de Exportação da Indústria da Moda Brasileira).
Até agora, R$ 125 milhões foram investidos em ações para a moda, como o financiamento de desfiles de marcas brasileiras no exterior. Parte dos recursos sai de investimentos privados.
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