No
ultimo dia 12 foi destruído um painel do consagrado escultor Caciporé Torres,
que constituía a fachada de uma galeria de arte na R. Haddock Lobo. O artista,
que foi tema da minha tese de doutorado defendida em junho deste ano (ECA USP),
tem dezenas de obras espalhadas por São Paulo. Gostaria que Veja SP publicasse
o ocorrido, e dessa forma conscientizar os leitores sobre o grave problema da
destruição do nosso patrimônio artístico, infelizmente frequente na nossa
cidade.
Estou enviando abaixo textos sobre a
ocorrência, sobre a obra e sobre o artista e imagens anexas, de minha
autoria.
Atenciosamente,
Profa. Dra. Flávia Rudge Ramos
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Mackenzie
RG: 10876796
Av. Nove de Julho, 3183 – 114
01407-000 São Paulo
Sobre
Caciporé
Escultor e professor universitário
nascido em Araçatuba (SP), iniciou sua carreira artística aos 17 anos ao
participar do XII Salão Sindicato dos Artistas (1948). Em 1951, recebeu, na 1ª
Bienal de São Paulo o premio “Viagem a Europa”, e a “Medalha de Ouro” no I
Salão Paulista de Arte Moderna. Na década de 50 estudou desenho na Académie de
La Grand-Chaumière e História da Arte na Sorbonne (Paris – França). Participou
ainda de outras sete edições Bienal de São Paulo, tendo sido premiado em outras
três bienais. Participou da XXVI Bienal de Veneza, da Quadrienal de Roma e da
Bienal Jovens de Paris. Foi professor de escultura da FAAP (1961 a 1971) e da
Faculdade de Arquitetura do Mackenzie. Expôs individualmente no MASP, MAM SP e
MUBE, e em diversas galerias do Brasil e do exterior. Foi eleito duas vezes
“Melhor Escultor” pela APCA (1980, 1982) e em 2009 recebeu homenagem da ABCA.
Possui obras nos acervos dos principais museus do Brasil. Com intuito de levar
sua obra a um público mais amplo e de integrar a arte à arquitetura e ao espaço
urbano, estabeleceu parcerias com prefeituras, arquitetos, urbanistas e
construtoras. Possui aproximadamente 80 obras em espaços públicos de diversas
cidades do Brasil. Em 2011 foi artista convidado pelo governo italiano para
participar de viagem e exposições itinerantes relacionados às comemorações do ano
da Itália no Brasil.
Sobre o painel
Extraído de: Ramos, Flávia Rudge, Caciporé:
A Plástica do Aço, tese de doutorado, ECA USP 2012
O trabalho realizado
pelo artista na Galeria Arte Vital representa o desdobramento da pesquisa da
escultura integrada à arquitetura para a escultura como arquitetura e vice
versa. Tudo começou em 1990, quando Caciporé foi procurado por um dos seus mais
dedicados ex-alunos, o arquiteto Flávio Miranda Nogueira (1965), para contar
seus planos de transformar um imóvel de família em São Paulo, na valorizada Rua
Haddock Lobo, na quadra situada entre a Rua Oscar Freire e Alameda Lorena, numa
loja de doces caseiros. Caciporé aconselhou Flávio a utilizar o imóvel para alguma
atividade ligada à profissão de arquiteto, talvez uma galeria de arte e design[1].
O jovem arquiteto
entusiasmado com a ideia convidou o mestre para ser seu sócio. Assim
surgiu a Galeria Arte Vital, cujo nome foi inspirado pelo livro de Mario
Pedrosa, Arte Necessidade Vital (1949) [2].
A ousada estratégia projetual de Flávio e Caciporé procurou destacar e dar
identidade a galeria, erguida num pequeno lote ocupado anteriormente por uma casa
geminada, cuja frente media menos de quatro metros de largura. Foi então que,
sete anos antes de Frank Gehry (1929) levar, com suas formas curvas revestidas
de titânio, a linguagem escultórica para a arquitetura, afastando –
desusadamente - a forma da função, no museu Guggenheim de Bilbao (Espanha),
Caciporé transformou a estreita fachada da galeria, num grande painel
escultórico repleto de curvas, cilindros e movimento, feito inteiramente de aço
inoxidável, material resistente à corrosão e de uso inédito na construção civil
em São Paulo.
Observa-se
neste projeto o abandono de algumas práxis da arquitetura e o detrimento da
tecnologia e do trabalho mecânico, pelo trabalho manual do aço inoxidável,
material de uso industrial; para alcançar um resultado futurista. Desta forma,
a distância que separa o projeto da construção foi encurtada, assim como não há
divisão de papéis entre autor e construtor. O espaço da galeria foi planejado
para abrigar uma sala de exposições com pé-direito
duplo na frente, e, nos fundos, um lavabo, escada, um mezanino onde ficava o
escritório, e um pequeno jardim para o qual estavam voltadas as janelas. O
projeto do painel da fachada foi moldado no canteiro de obras, pelo próprio
artista e seus assistentes, a partir de desenhos feitos a mão livre, sem um
planejamento geométrico-descritivo dos volumes curvos do painel, de modo que o
trabalho final seria inesperado e impreciso.
O
painel de aço acima da vitrine e da entrada de vidro, que é o principal
elemento arquitetônico da fachada voltada para a face oeste, protege o espaço
interno do calor excessivo causado pela intensa insolação do período da tarde.
Foi construído sem que houvesse uma parede que lhe servisse de suporte; tendo
como apoio uma viga metálica cujo perfil foi calculado para suportar a carga do
painel e transferi-la para os pilares localizados nas extremidades[3].
A
construção do painel foi feita em partes, com pequenos pedaços de aço
inoxidável de formatos irregulares no atelier do artista durante cerca de três
meses, e depois montadas no seu local definitivo, trabalho que levou cerca de
um mês para ser concluído. Como o painel foi construído com duas peles, de modo
a proteger o interior da galeria de qualquer tipo de infiltração; é visível
também no espaço interno. A galeria foi inaugurada em 30 de outubro de 1990 com
uma exposição de 18 esculturas e 20 desenhos de Caciporé. A sociedade
estabelecida entre o artista e seu antigo professor durou cinco anos, durante
os quais a galeria vendia móveis desenhados por ambos, obras de arte e
promoveu exposições de sucesso como a do próprio Caciporé e outra do pintor
Gustavo Rosa (1946)[4]. Atualmente funciona
no local o escritório de arquitetura de Flávio Miranda.
[1] Depoimento de Caciporé à autora em 22/01/2010,
São Paulo, SP.
[2] Depoimento de Caciporé à autora em 22/01/2010,
São Paulo, SP.
[3] Segundo observação no local em visita
realizada em 11/06/2008 e depoimentos de Flávio Miranda Nogueira (11/06/2008) e
Caciporé (22/01/2010), São Paulo, SP.
[4] Depoimento de Caciporé à autora em 22/01/2010,
São Paulo, SP.
2 comentários:
Descobri essa publicação por que foi citada por um aluno. Gostei muito do blog, parabéns!
Flávia Rudge Ramos
Muito obrigada, Flávia.
Quando tiver algum conteúdo ligado às artes visuais, me mande um email que eu coloco no blog.
boa semana
MaRegina
Postar um comentário