Nazareth está 'reinventando a performance' com caminhadas
DE SÃO PAULO
De cabeleira armada, chinelo de dedo nos pés e sempre arrastando uma mala de rodinhas, Paulo Nazareth não tem cara do que esperam ser um artista contemporâneo.
Tanto que ele costuma ser barrado em aberturas de exposições e na porta dos "restaurantes chiques", como ele descreve. Chegou a ser até interrogado e revistado por um policial na saída de um vernissage numa galeria de São Paulo há algumas semanas.
Quando venceu um prêmio no Masp, quebrou o clima sisudo do jantar de gala passando de mesa em mesa para vender suas gravuras.
Mineiro de Governador Valadares, Nazareth primeiro chamou a atenção da crítica na performance em que caminhou a pé de Minas Gerais até Miami, um trajeto que durou meses e rendeu fotografias, desenhos e anotações do artista depois mostradas na feira Art Basel Miami Beach.
Nazareth agora está escalado para a Bienal de Veneza, em junho, e também estará na Bienal de Lyon, que acontece em setembro. Mas ele acha difícil estar lá para ver as aberturas das mostras, já que planeja estar andando de algum ponto na África do Sul até a cidade francesa.
Seu novo trabalho exacerba mais do que nunca a dimensão racial de sua obra. Nazareth quer percorrer antigas rotas do comércio de escravos, chamando a atenção para a própria condição de "luso-ítalo-afro-krenak", como gosta de se descrever.
É dessa mestiçagem que Nazareth extrai o maior argumento de sua obra. Mais do que o que faz em museus e galerias, criar embates entre classes sociais e sentir na pele preconceitos contra sua cor fazem parte do trabalho.
"Tudo isso é uma conduta, uma forma de estar no mundo", diz Nazareth. "Estou num lugar de fronteira. Entre os brancos, eu fico negro. Meu cabelo me faz negro. A polícia, quando me toma como suspeito, me vê como negro. Se eu fosse um pouco mais negro, eu seria culpado. Mas eu sou só um suspeito."
Nesse lugar de indefinição, entre índio, negro e europeu, Nazareth constrói uma narrativa própria, como se viver a sua vida fosse de certa forma uma performance.
"Ele é um dos artistas mais complexos e inesperados que surgiu nessa geração", analisa o curador Hans Ulrich Obrist. "Ele cria uma economia paralela ao trabalho dele, vendendo suas obras à comunidade, e também uma realidade paralela, com trabalhos de longa duração que não são muito planejados."
Nas palavras do islandês Gunnar Kvaran, que chamou Nazareth para a Bienal de Lyon, o artista está "reinventando a performance". "Essas caminhadas de longa duração produzem obras de arte sobre contextos sociais e as pessoas que ele encontra. É um artista imprevisível e ao mesmo tempo incrível."
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